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O Vale da Estranheza do Afeto: Por Dentro do Mundo dos Bebê Reborn

  • Foto do escritor: Heitor Oliveira
    Heitor Oliveira
  • 26 de mai.
  • 16 min de leitura

Atualizado: 26 de mai.


Resumo-executivo


Nos últimos meses, casos de adultos que tentam vacinar, internar ou obter benefícios públicos usando bonecas hiper-realistas alimentaram manchetes e memes. Mas o fenômeno, que movimenta mais de R$ 50 milhões/ano no Brasil (Super Finanças), vai além da curiosidade: ele expõe fragilidades emocionais, lacunas de saúde mental e uma cultura digital que recompensa a performance acima da realidade. A seguir, analiso o tema do ponto de vista pediátrico e proponho caminhos de orientação para pais, profissionais de saúde e educadores.


bebê reborn

Recentemente, um tema inusitado ascendeu das conversas de nicho para o centro do debate público e até mesmo legislativo no Brasil: as bonecas "reborn". Essas criações hiper-realistas, que imitam bebês humanos com uma precisão desconcertante, deixaram de ser meros objetos de coleção para se tornarem protagonistas de vídeos virais, como simulações de "parto" que arrebatam milhões de visualizações no TikTok , e catalisadoras de discussões acaloradas. Mas o que são exatamente essas bonecas e por que elas exercem um fascínio tão profundo sobre tantas pessoas?   


O "bebê reborn" são bonecos artesanais meticulosamente confeccionados para replicar a aparência e, em alguns casos, até o peso e a textura de um recém-nascido. Cada detalhe, desde as veias translúcidas sob a pele pintada à mão, os fios de cabelo implantados um a um, até o peso que simula um bebê de verdade, é pensado para alcançar o máximo de realismo. Para muitos, não são simples brinquedos, mas sim "obras de arte", o que já as diferencia fundamentalmente de bonecas comuns. Este nível de detalhe é crucial, pois é a base para as conexões emocionais intensas que podem surgir.


O enigma central que permeia o universo reborn reside na natureza dessas conexões. Seriam essas bonecas uma fonte de conforto profundo e uma ferramenta terapêutica válida? Ou representariam um sintoma de transformações sociais mais amplas, talvez até um motivo de preocupação? A polarização inicial de opiniões, que varia da admiração à estranheza, convida a uma exploração mais matizada, buscando compreender as múltiplas facetas de um fenômeno que toca em questões fundamentais sobre afeto, perda, solidão e a própria natureza da interação humana na contemporaneidade.


A Atração do Quase Real: Compreendendo o Bebê Reborn

O magnetismo do bebê reborn reside, primordialmente, na sua extraordinária semelhança com bebês reais. A arte do hiper-realismo é levada a extremos: a pele é trabalhada com múltiplas camadas de tinta para criar profundidade, translucidez e até pequenas imperfeições, como veias e manchinhas de recém-nascido; os cabelos, muitas vezes de mohair ou humanos, são enraizados fio a fio; e o corpo é ponderado para simular o peso e a maleabilidade de um bebê de verdade. Essa atenção minuciosa aos detalhes proporciona uma experiência sensorial imersiva, permitindo que o ato de segurar um boneco reborn se aproxime da sensação de ter um bebê real nos braços. É essa busca pela perfeição mimética que abre as portas para as profundas conexões emocionais e, consequentemente, para os debates sociais que as cercam.   


As motivações que levam alguém a adquirir um boneco reborn são tão diversas e complexas quanto as próprias experiências humanas. Um dos motores mais significativos é o enfrentamento do luto, especialmente a dor da perda perinatal. Nesses momentos de profunda vulnerabilidade, o boneco pode funcionar como um "objeto de transição"  ou um objeto de conforto , ajudando a processar a perda e a externalizar emoções difíceis. A Dra. Maria Carolina Pinheiro, citada em um artigo, sugere que o realismo dessas bonecas pode ativar circuitos neurais associados ao cuidado parental, oferecendo uma fonte simbólica de segurança.   


Em um mundo onde muitos se sentem cada vez mais sós e desconectados , os reborns podem oferecer uma forma de companhia e um canal para o afeto. Para indivíduos que vivenciam a síndrome do ninho vazio, a solidão generalizada ou que simplesmente buscam uma presença reconfortante, essas bonecas podem preencher um vazio emocional. A psicóloga Daniela Bittar levanta a hipótese de que, em uma sociedade onde as pessoas se sentem cada vez mais solitárias, a busca por relações com entidades não humanas pode ser uma tentativa de preencher um vazio existencial.   


Para outros, o encanto reside simplesmente no prazer de cuidar , uma forma simbólica de vivenciar a maternidade ou a paternidade "sem o fardo" das complexidades e exigências de um bebê real. Essa ideia de uma "maternidade sem ônus", como descreve o psicanalista Christian Dunker , pode ressoar com as ansiedades contemporâneas sobre as demandas da parentalidade. Além disso, há o apelo para colecionadores e apreciadores de arte, que veem nessas criações um valor estético e artesanal. As bonecas também encontram espaço em contextos terapêuticos mais amplos, auxiliando no tratamento de ansiedade e depressão.   


As razões para o apego são, portanto, profundamente pessoais e frequentemente enraizadas em experiências de vida significativas ou necessidades emocionais prementes. Essa complexidade desafia julgamentos simplistas sobre os proprietários, revelando que, muitas vezes, não se trata de "adultos brincando com bonecas", mas sim de indivíduos gerenciando dores, buscando conexão ou expressando cuidado – impulsos humanos fundamentais. A busca por um "bebê que não chora, não adoece, não cresce"  pode, inclusive, espelhar ansiedades sociais mais amplas sobre as incertezas da parentalidade moderna e, talvez, um anseio por formas de conexão mais idealizadas e controláveis.   


O Xis da Questão: Perspectivas Psicológicas sobre os Vínculos Reborn

A psicologia observa o fenômeno reborn com um olhar multifacetado, reconhecendo tanto os benefícios potenciais quanto os riscos envolvidos. Não há um consenso que demonize ou santifique essas bonecas; ao contrário, a análise se concentra na função que elas desempenham na vida de cada indivíduo.


O Lado Luminoso: Valor Terapêutico e Suporte Emocional

A Teoria do Apego, desenvolvida por John Bowlby e citada pela Dra. Maria Carolina Pinheiro, oferece uma lente para compreender esses laços não como patologia, mas como uma possível estratégia de cura para deficiências emocionais passadas ou lutos não resolvidos. O realismo das bonecas pode, de fato, ativar circuitos neurais ligados ao cuidado parental, fornecendo uma fonte simbólica de segurança e conexão.   


Psicólogos como Guilherme Cavalcanti  e a Dra. Carla Mendes  destacam o papel das reborns como objetos de conforto em situações de estresse, trauma ou ansiedade. Elas podem ajudar a regular emoções, reduzir sentimentos de isolamento e servir como um apoio emocional tangível. O ritual de cuidar da boneca – alimentá-la simbolicamente, trocar suas roupas, niná-la – permite a externalização do luto e auxilia na reorganização emocional. Aline Cestarolli também observa que, em um contexto supervisionado, as bonecas podem ajudar a simbolizar afetos e processar emoções.   


A Linha de Alerta: Quando o Apego se Torna Problemático

A psicóloga Daniela Bittar expressa preocupação com o desejo por relações que ofereçam controle absoluto, uma vez que as reborns proporcionam uma interação unilateral, sem o risco de rejeição. Essa dinâmica pode ser buscada para preencher um "vazio existencial" , onde o indivíduo projeta amor sem enfrentar as complexidades e as dores potenciais dos relacionamentos humanos.   


Um aviso recorrente entre especialistas como Guilherme Cavalcanti , Luana Dantas  e Dra. Carla Mendes  é quando a boneca se transforma em uma "fuga da realidade". Se o cuidado com a reborn serve para evitar o enfrentamento de problemas reais ou emoções difíceis, pode levar a uma dependência emocional do objeto e impedir o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais saudáveis.   


O hiper-realismo, embora seja um atrativo, pode também contribuir para borrar a distinção entre fantasia e realidade. O efeito do "vale da estranheza" (uncanny valley), onde a semelhança excessiva com o humano, desprovida de vida real, causa desconforto, é mencionado como um fator que pode perturbar observadores e destacar essa linha tênue.   


Existem sinais de alerta claros que indicam a necessidade de atenção clínica:

  • Substituição de relações humanas por interações com a boneca, levando a isolamento progressivo ou compulsões (como trocar e lavar a boneca repetitivamente para aliviar a ansiedade).   

  • Prejuízo funcional na vida diária, sofrimento evidente quando separado da boneca ou recusa em interagir com outras pessoas.   

  • Isolamento extremo, tratamento consistente da boneca como um bebê real em todos os aspectos e negação da realidade.   

  • Tratar a boneca como uma criança real pode indicar dificuldades de interação social ou depressão profunda.   

O debate psicológico, portanto, não se centra em classificar as bonecas reborn como "boas" ou "ruins". A questão fundamental é a função que elas exercem na vida de uma pessoa e o impacto que têm sobre seu bem-estar geral e sua conexão com a realidade. A boneca em si é neutra; seu papel é definido pelo contexto do usuário, seu estado emocional e as consequências do apego. Essa visão nuançada é crucial para uma abordagem equilibrada do tema. A ênfase no "controle absoluto"  e na "maternidade sem ônus"  pode ser interpretada como um mecanismo de enfrentamento social em uma era de alta ansiedade e percebida ingerenciabilidade das responsabilidades e relacionamentos do mundo real. As reborns oferecem uma interação previsível e idealizada, em contraste com a natureza muitas vezes caótica e exigente da conexão humana.   


Tabela 1: Bonecos Reborn: Navegando no Espectro do Apego

Motivações e Aspectos Positivos

Preocupações Potenciais e Sinais de Alerta

Processamento do luto

Fuga da realidade/Escapismo

Conforto emocional

Substituição de relações humanas

Companheirismo/Alívio da solidão

Perda da distinção entre fantasia e realidade

Auxílio terapêutico para condições específicas (ex: Alzheimer, ansiedade)

Isolamento social/Retraimento

Cuidado simbólico

Prejuízo funcional na vida diária

Canal para expressão de afeto

Dependência emocional excessiva

Reparação de vínculos de apego

Busca por "controle absoluto"


Reforço de padrões dissociativos

   

Reborns como Terapia: Mãos que Curam e Memórias Resgatadas

Para além do debate sobre o apego cotidiano, as bonecas reborn encontraram um nicho significativo e validado no campo terapêutico, especialmente no cuidado de idosos com demência e no suporte a indivíduos enlutados.


Foco em Alzheimer e Demência

Um estudo intitulado "O IMPACTO DA TERAPIA “BABY REBORN” NO RESGATE DE MEMÓRIAS DE IDOSOS COM ALZHEIMER"  investigou o uso dessas bonecas para minimizar agitação, agressividade e ansiedade em pacientes. As principais descobertas são reveladoras:   

  • Observou-se uma melhora significativa no resgate de memórias em pacientes idosos com Alzheimer.

  • A terapia favoreceu a interação entre o paciente e o terapeuta.

  • As bonecas promoveram respostas comportamentais e sociais positivas, como a redução da agressividade e o aumento da sociabilidade.

  • Os pacientes demonstraram afeto e cuidado com as bonecas, embalando-as, conversando com elas e posicionando-as corretamente na cama.

  • Estudos recentes confirmam que a terapia com bonecas alivia sintomas comportamentais, cognitivos e emocionais em indivíduos com demência.

  • Essa técnica não farmacológica visa promover afeto, socialização e um senso de utilidade, minimizando atitudes prejudiciais à qualidade de vida.   

O projeto "Voltando à Infância" em João Pessoa-PB, que utiliza bonecas realistas doadas, exemplifica a aplicação prática dessa terapia, trazendo inúmeros benefícios para idosos institucionalizados com Alzheimer. De forma similar, um estudo clínico italiano de 2021 sobre a terapia com bonecas para pacientes com demência demonstrou reduções significativas em sintomas como agressão, apatia e agitação, além de diminuir o fardo emocional dos cuidadores.   


Além da Demência: Luto Perinatal e Trauma

Conforme já mencionado, as bonecas reborn são frequentemente utilizadas como objetos de conforto para indivíduos que vivenciaram perdas gestacionais ou outros traumas afetivos. A boneca pode auxiliar no processamento de emoções difíceis e na redução do estresse e da ansiedade associados a essas experiências , servindo como uma estratégia de cura para o luto  e um meio de elaborar perdas.   


O Papel dos "Objetos Transicionais"

A Dra. Carla Mendes  e a Dra. Maria Carolina Pinheiro  (referindo-se ao uso em pacientes com demência) sugerem que as reborns podem funcionar como "objetos transicionais". De maneira análoga a como uma criança utiliza um cobertor de segurança, essas bonecas podem ajudar os indivíduos a lidar com perdas ou ausências, oferecendo um ponto de ancoragem emocional.   


Os usos terapêuticos validados, especialmente no cuidado com pacientes com Alzheimer, fornecem um forte contraponto a visões puramente negativas ou depreciativas sobre as bonecas reborn. Isso ancora uma parte do fenômeno em práticas reconhecidas e benéficas. Quando há evidência científica  e aplicação clínica  demonstrando benefícios tangíveis para populações vulneráveis, impõe-se uma consideração mais séria e respeitosa do potencial dessas bonecas. Essa legitimidade, contudo, pode ser uma faca de dois gumes se mal aplicada para justificar apegos não saudáveis em outros contextos. O sucesso da terapia com bonecas no cuidado da demência pode estimular mais pesquisas sobre intervenções não farmacológicas para transtornos cognitivos e emocionais. Levanta também considerações éticas sobre a natureza do "cuidado" e da "conexão" proporcionados por objetos inanimados, mesmo quando benéficos. Seria uma ferramenta compassiva ou um reflexo pungente de necessidades não atendidas no cuidado de idosos?   


O Berço Digital: Reborns na Era das Redes Sociais

A ascensão meteórica das bonecas reborn ao estrelato cultural está intrinsecamente ligada à era digital. As redes sociais não apenas deram visibilidade a esse universo, mas também o moldaram ativamente.


O Fenômeno Viral

Plataformas como TikTok e Instagram tornaram-se verdadeiros celeiros de conteúdo reborn. Vídeos que exibem rotinas de cuidado – troca de fraldas, alimentação simulada, idas ao "hospital" com as bonecas  – acumulam milhões de visualizações. Simulações de "parto" de bonecas reborn, como as realizadas por influenciadores, viralizam de forma espetacular , e até mesmo "encontros de bebês reborn", onde proprietários compartilham experiências, ganham notoriedade online.   


Impacto de Influenciadores e Tendências de Busca

A influência de personalidades da mídia e eventos específicos impulsiona significativamente o interesse público. Um relatório da CNN Brasil  destacou picos de busca pelo termo "bebê reborn" associados a ações como a "adoção" de uma boneca reborn com características de síndrome de Down pelo Padre Fábio de Melo e o vídeo viral da influenciadora Sweet Carol. Dados do Google Trends também revelam um alto volume de buscas por termos como "bebê reborn polêmica" e "bebê reborn SUS" , indicando uma curiosidade que abrange tanto o fascínio quanto as controvérsias. O interesse por essas bonecas apresentou picos de popularidade, especialmente em dezembro e com um ressurgimento notável em abril de 2025.   


Comunidades Online: Suporte e Escrutínio

As comunidades online desempenham um papel duplo. Para muitas "mães reborn", fóruns e grupos em redes sociais são fundamentais para o bem-estar emocional, oferecendo suporte, validação e um senso de pertencimento. Um estudo de 2024 da Dra. Emilie St-Hilaire revelou que 80% das mulheres entrevistadas consideravam os fóruns online essenciais para seu equilíbrio emocional. No entanto, essa exposição pública também atrai críticas, zombarias e julgamentos , que podem ser prejudiciais. A psicóloga Talita Rocha adverte que tanto a romantização excessiva, que pode mascarar sofrimentos subjacentes, quanto o ridículo são nocivos, podendo levar à vergonha e impedir a busca por ajuda.   


As redes sociais atuam como aceleradoras e amplificadoras do fenômeno reborn, moldando a percepção pública, criando comunidades e impulsionando tendências de mercado. São um fator chave para que esse interesse de nicho tenha se tornado tão visível. Sem essas plataformas, as bonecas reborn poderiam ter permanecido um hobby mais privado ou uma ferramenta terapêutica restrita. O TikTok e o Instagram, entre outros, forneceram um palco para exibição, discussão e disseminação, transformando-o em um espetáculo público e um assunto de conversa generalizada. A "performance" do cuidado reborn online  pode indicar uma mudança na forma como os indivíduos buscam validação e constroem identidades, borrando as linhas entre mecanismos de enfrentamento privados e personas públicas. Isso também levanta questões sobre a autenticidade dessas exibições online versus a experiência emocional vivida.   


A Economia Reborn: Um Olhar Sobre um Nicho Lucrativo

Por trás do fascínio e das controvérsias, existe um mercado próspero e em expansão. A economia das bonecas reborn é um testemunho da sua popularidade e do valor atribuído ao seu realismo.


Um Mercado em Expansão

O mercado de bebês reborn tem experimentado um crescimento considerável, impulsionado em grande parte pelas vendas online e pelo poder das redes sociais. Um exemplo dessa rentabilidade é uma loja temática em Belo Horizonte que simula uma maternidade e fatura aproximadamente R$ 40.000 por mês, vendendo entre 20 e 30 bonecas mensalmente, com vendas que podem triplicar em épocas festivas.   


O Preço do Realismo

O custo de uma boneca reborn pode variar significativamente, começando em torno de R$ 2.100 e podendo alcançar até R$ 13.000 por peças personalizadas. Esse valor reflete o trabalho intensivo, a arte e os materiais de alta qualidade empregados para atingir o hiper-realismo. Cada boneca pode levar cerca de sete dias para ser concluída e geralmente vem acompanhada de um enxoval completo, incluindo roupinhas, acessórios de cabelo, chupeta magnética, mamadeira com leite falso, fraldas, brinquedo de pelúcia, certidão de nascimento e guia de cuidados.   


Os Artistas e Empreendedores

Artistas como Simone Fortuna, que produz bebês reborn há 18 anos, conseguem atender a uma demanda intensa, produzindo em média 60 bonecas por mês e alcançando uma renda líquida que varia de R$ 30.000 a R$ 40.000. Isso demonstra a profissionalização e a viabilidade econômica desse artesanato especializado.   


Demografia dos Consumidores

Embora o público interessado seja diversificado, uma parcela significativa das vendas ainda é direcionada a crianças, que as veem como "bonecas diferenciadas". No entanto, o mercado adulto é substancial e impulsiona as vendas de peças de alto padrão e personalizadas, que são procuradas por colecionadores ou por aqueles que buscam uma experiência de realismo máximo.   


O alto valor e o esmero artesanal posicionam as reborns como itens de luxo ou "obras de arte" , em vez de simples brinquedos, contribuindo para seu status único e apelo, particularmente para colecionadores adultos e aqueles que buscam uma experiência altamente realista. O investimento econômico necessário  altera a percepção dessas bonecas; não são objetos descartáveis, o que eleva seu status e provavelmente aprofunda o senso de compromisso e valor atribuído pelo proprietário. O conceito de lojas que simulam maternidades  ilustra ainda mais a comercialização de uma experiência imersiva e de alto valor. O mercado próspero  demonstra uma comercialização bem-sucedida de necessidades e desejos emocionais (cuidado, companhia, coleção). Isso levanta questões sobre a ética de lucrar com o que, por vezes, pode ser a vulnerabilidade de alguém, especialmente quando o marketing confunde as linhas entre um produto e a realização emocional genuína. O termo de busca "bebê reborn SUS"  também sugere um atrito entre esse mercado privado e a percepção de impacto sobre recursos públicos.   


A Sociedade Reage: Debates, Dilemas e um Caminho a Seguir?

A crescente visibilidade das bonecas reborn provocou uma gama diversificada de reações sociais, culminando em debates públicos e até mesmo em propostas legislativas.


Percepção Pública: Um Mosaico de Opiniões

A sociedade observa o fenômeno com um misto de curiosidade, fascínio, crítica e, por vezes, ridículo. O já mencionado efeito do "vale da estranheza"  provavelmente contribui para algumas reações negativas, pois a extrema semelhança com o humano, sem a vitalidade correspondente, pode ser perturbadora. Um artigo de opinião chega a notar que o fenômeno está ganhando uma "dimensão preocupante" e emitindo "sinais desafiadores" sobre a natureza das relações atuais na sociedade.   


Holofotes Legislativos no Brasil (2025)

A intensidade do debate no Brasil se reflete na apresentação de cinco projetos de lei na Câmara dos Deputados em 2025, buscando regulamentar ou abordar as implicações do uso de bebês reborn. Essas propostas podem ser categorizadas da seguinte forma:   


  • Medidas Restritivas:
    • O PL 2346/2025 (Dep. Zé Trovão) e o PL 2326/2025 (Dep. Paulo Bilynskyj) visam proibir o uso de serviços públicos (saúde, educação, transporte) destinados a seres humanos para bonecas reborn, definindo-as como representações artísticas não humanas.

    • O PL 2320/2025 (Dep. Zacharias Calil) propõe multas (de cinco a 20 salários mínimos) para quem utilizar uma reborn para obter vantagens, prioridades ou serviços legalmente previstos para bebês e seus responsáveis.

  • Medidas de Apoio:
    • O PL 2323/2025 (Dep. Rosângela Moro) busca garantir apoio psicossocial para indivíduos com sofrimento psíquico decorrente de vínculos emocionais intensos com objetos de representação humana, como as reborns. Prevê acolhimento humanizado, orientação a familiares e coleta de dados para políticas públicas em saúde mental.

  • Projeto Retirado:
    • O PL 2321/2025 (Dep. Pastor Gil), que inicialmente propunha um programa de saúde mental no SUS para pessoas com laços paternais ou maternais com reborns, foi posteriormente retirado pelo autor.


Tabela 2: Reborns em Foco: Respostas Legislativas no Brasil (2025)    


Projeto de Lei e Proponente

Objetivo Principal

Principais Estipulações/Justificativa

Tipo de Ação

Status

PL 2346/2025 - Dep. Zé Trovão (PL-SC)

Proibir uso de serviços públicos para reborns

Consideradas representações artísticas, não humanas; evitar mau uso de recursos.

Restritiva

Proposto Mai/2025

PL 2326/2025 - Dep. Paulo Bilynskyj (PL-SP)

Proibir atendimento de reborns em unidades de saúde públicas e privadas

Conteúdo similar ao PL 2346/2025.

Restritiva

Proposto Mai/2025

PL 2320/2025 - Dep. Zacharias Calil (União-GO)

Multar uso de reborns para obter vantagens indevidas

Infração administrativa com multa de 5 a 20 salários mínimos, dobrada em reincidência.

Restritiva

Proposto Mai/2025

PL 2323/2025 - Dep. Rosângela Moro (União-SP)

Garantir apoio psicossocial a donos de reborns com sofrimento psíquico

Acolhimento humanizado, orientação familiar, coleta de dados para políticas de saúde mental.

De Apoio

Proposto Mai/2025

PL 2321/2025 - Dep. Pastor Gil (PL-MA)

Criar programa de saúde mental no SUS para indivíduos com laços com reborns

(Projeto retirado pelo autor)

De Apoio

Retirado

A Conversa Cultural Mais Ampla

O que esse fenômeno revela sobre a sociedade contemporânea? As discussões frequentemente tocam em temas como a solidão crescente, a natureza da conexão humana na era digital, as definições em evolução de cuidado e família, e a busca por controle em um mundo percebido como imprevisível.   


As ações legislativas no Brasil  são um indicador claro de que o fenômeno reborn transcendeu o status de nicho e se tornou uma questão de preocupação para políticas públicas, refletindo ansiedades sociais sobre alocação de recursos, saúde mental e a definição de serviços centrados no ser humano. Leis geralmente são reativas a mudanças ou problemas sociais. O fato de múltiplos projetos de lei  estarem sendo propostos, abordando aspectos tanto punitivos quanto de apoio, mostra que o governo está lidando com as implicações do mundo real da posse de bonecas reborn em uma escala que exige atenção oficial. O debate em torno das reborns (legislativo, social, psicológico) força uma introspecção social sobre empatia, julgamento e as diversas maneiras como os indivíduos lidam com necessidades emocionais. Desafia-nos a considerar onde são traçadas as linhas entre mecanismos de enfrentamento pessoal e comportamentos que impactam a comunidade mais ampla ou sinalizam um sofrimento mais profundo. A retirada de um dos projetos de lei  pode também indicar a natureza contenciosa e evolutiva dessa conversa pública.   


Conclusão: Navegando na Nuance dos Bonecos Reborn

Os bebês reborn, como se pode perceber, não constituem um fenômeno simples. Elas existem em um espectro que vai desde formas de arte apreciadas e valiosas ferramentas terapêuticas até potenciais sintomas de lutas emocionais mais profundas e mecanismos de enfrentamento complexos.

É crucial enfatizar, como fazem os especialistas , que o significado e o impacto de uma boneca reborn são altamente individuais. A chave não reside no objeto em si, mas no papel que ele desempenha na vida de uma pessoa e no efeito que tem sobre seu funcionamento e bem-estar. Conforme destacado pela psiquiatra Luana Dantas, "a questão não está no objeto em si, mas no papel que ele desempenha na vida da pessoa". A psicóloga Talita Rocha complementa, afirmando que "o contexto e os impactos no cotidiano da pessoa são os determinantes" para diferenciar um cuidado simbólico saudável de uma fuga emocional.   


Faz-se necessário um apelo à empatia e à compreensão, ecoando o sentimento de Talita Rocha  sobre a importância de entender em vez de julgar. É preciso reconhecer que esses apegos muitas vezes derivam de experiências humanas profundas, como dor, trauma, solidão ou o simples desejo de conexão e cuidado. Nas palavras dela, "Cuidar, mesmo que simbolicamente, é um gesto profundo de humanidade".   


Em última análise, o fenômeno das bonecas reborn serve como um fascinante estudo de caso sobre como os seres humanos projetam significado em objetos, a natureza evolutiva da companhia e a negociação social do que é considerado interação "real" ou "saudável". As bonecas reborn seriam um espelho refletindo nossas ansiedades sociais sobre conexão, solidão e as complexidades do cuidado em um mundo em constante transformação? Ou seriam simplesmente mais uma forma através da qual os humanos encontram conforto e significado?

A ascensão dos bebês reborn é um espelho da nossa era: hiperconectada, ansiosa por validação e, ao mesmo tempo, carente de vínculos reais. Para o pediatra — e para qualquer profissional de saúde — o desafio é manter firmeza clínica sem perder a empatia, oferecendo amparo a quem usa o boneco como anestesia emocional, mas também protegendo o bom senso coletivo.

Convite à reflexão: Se você, leitor, identificar alguém próximo vivendo essa fronteira turva entre o lúdico e o verídico, não ridicularize. Ofereça escuta, sugira apoio psicológico e compartilhe informações confiáveis. E, claro, conte com este blog como espaço seguro para debate esclarecido.

Dr Heitor Oliveira

Pediatra - Medico de Família





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Heitor Oliveira
Heitor Oliveira
há 12 horas
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Esse artigo está excelente!



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Dr Heitor Pereira de Oliveira

Avenida Independência 950, sala 92, Piracicaba, SP

Telefone: (19) 995829764

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